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  • Foto do escritorSilvâni Silva

Desvendando Silêncios





O céu, antes azul celeste, agora se encobria com nuvens cinzentas, anunciando a tarde de sábado na cidade histórica e interiorana de Goiás. Regina, mulher de fibra inabalável, enfrentava a ventania e o frio daquela tarde. Seus cabelos castanhos e ondulados voavam livremente ao toque do vento gélido. Apesar do agasalho espesso, o frio penetrava em seu corpo como agulhas, causando uma sensação de queimadura. No entanto, isso era nada comparado à inquietação que acelerava seu coração a cada passo que a aproximava da casa de Mariana, sua irmã.


Mariana, por sua vez, era a personificação da gentileza e da sensibilidade. Seus olhos grandes e expressivos capturavam a beleza do mundo, mesmo nos detalhes mais sutis. Mas ultimamente, a luz em seus olhos se apagara, e sua alma, outrora vibrante, agora carregava o peso do mundo. Desde que se uniu a Jean, um homem cuja elegância e charme escondiam uma natureza sombria, ela se viu envolta em uma rede de mistério e silêncio.


O vínculo entre as irmãs se fragilizara. Regina e Mariana, antes inseparáveis, compartilhavam tudo: sonhos, medos, alegrias e tristezas. Juntas, ergueram um refúgio seguro contra as adversidades do mundo, um laço que parecia inquebrável. No entanto, à medida que Mariana se afundava no isolamento imposto por Jean, esse refúgio começou a ruir, reduzindo-se a mensagens virtuais e deixando Regina à deriva, desesperada por reconectar-se com a irmã.


Dias se arrastavam como um rio de lama desde a última vez que Regina vira Mariana, mesmo ambas habitando a mesma cidade. A inquietação que corroía o coração de Regina não se limitava à preocupação com a irmã, mas também se estendia ao medo do desconhecido. Era preciso desvendar os silêncios que se interpunham entre elas. Com passos decididos, Regina se aproximou da residência de Mariana, uma casa que, apesar da beleza arquitetônica, emanava uma aura sombria. As paredes pareciam guardar segredos obscuros, e as janelas de madeira pareciam ignorar a luz do sol.


Ao se deparar com a entrada da casa de Mariana e Jean, uma mistura de charme antigo e segredos obscuros, Regina suspirou profundamente antes de anunciar sua presença. A porta se entreabriu após um minuto de silêncio. Mariana esboçou um sorriso, uma sombra de felicidade que não alcançava seus olhos, revelando uma alma profundamente entristecida.


— Regina, — sussurrou Mariana, — você veio.


O abraço que se seguiu foi carregado de saudade e do desejo de reconexão.


No interior da casa, impecável, pairava uma atmosfera densa. Cada móvel, inclusive o antigo e luxuoso relógio de parede, relíquia de Jean, parecia marcar os segundos, assinalando a dominância imposta sobre a vida de Mariana.


Acomodadas, Regina perguntou, com a voz embargada pela emoção:


— Senti sua falta... Mariana, o que aconteceu? Por que esse isolamento?


Mariana desviou o olhar, lutando contra as emoções que as perguntas de Regina despertavam.


— Não é simples, — murmurou ela. — O que idealizei como um sonho matrimonial se tornou um pesadelo... Há coisas... coisas que jamais imaginei enfrentar.


Fortalecida pela presença de Regina, Mariana começou a revelar as sombrias realidades de seu casamento. Jean, a princípio o companheiro perfeito, rapidamente desmascarou sua verdadeira face: um homem profundamente distorcido por suas inseguranças, controlador, dominado por um ciúme doentio e uma vigilância incessante, que minava Mariana com suas críticas implacáveis. A casa, idealizada como um santuário de amor e cumplicidade, se convertera em um cárcere emocional.


— Ele nunca está satisfeito, Regina. Cada passo meu é monitorado, cada decisão, criticada… Não reconheço mais a mulher que eu era.


Ao ouvir a irmã, Regina sentiu uma mistura de raiva e tristeza. Compreendendo a gravidade da situação, ela segurou as mãos de Mariana, prometendo apoio e ajuda.


— Mariana, você não está sozinha. Vamos encontrar uma saída juntas, — Regina disse com uma convicção que deixava claro seu compromisso.


O apoio de Regina marcou um ponto de virada na vida de Mariana, consolidando um vínculo que, mesmo diante das adversidades, se mostrava inabalável. Juntas, elas enfrentariam os desafios à frente, munidas da força de sua união e da esperança de dias mais luminosos.


Nas semanas subsequentes, com o auxílio de Regina, Mariana começou a traçar sua saída daquela situação. O apoio não se limitava a Regina, mas se expandia para uma rede de amigos e profissionais que se formou ao seu redor. Cada passo era cuidadosamente planejado, cada decisão, ponderada, mas sempre com o objetivo de reconquistar sua liberdade e independência.


A batalha pela separação de Mariana foi árdua e complexa. Obstáculos legais e emocionais se ergueram em seu caminho, mas a presença constante de Regina e a rede de apoio que se formou ao seu redor se tornaram pilares de sustentação para sua liberdade. Mariana enfrentou os desafios com determinação e coragem, finalmente se libertando das amarras de um casamento abusivo.


Livre, Mariana iniciou a jornada de redescobrimento de sua própria identidade, reacendendo as paixões que haviam sido suprimidas. A reconexão com amigos marcou o início de uma nova fase em sua vida, simbolizando o renascimento de sua essência. A serenidade que agora emanava de Mariana era um testemunho do poder da resiliência e da força interior que a impulsionaram a finalmente emergir das sombras e construir a vida que sempre sonhou.


O renascimento de Mariana não se limitou à libertação de um passado sombrio. Impulsionada por um desejo ardente de recomeçar e buscar novos horizontes, ela tomou a radical decisão de mudar de cidade. A mudança a distanciaria das memórias de uma infância feliz, que contrastavam fortemente com os momentos vividos ao lado de Jean.


Regina, presente ao lado de Mariana nesse momento decisivo, era tomada por uma mistura de emoções: orgulho pela determinação da irmã, tristeza pela distância iminente entre elas, mas, acima de tudo, esperança. Esperança ao saber que Mariana estava finalmente livre para trilhar seu próprio caminho, em um futuro repleto de possibilidades.


— Pronta? — perguntou Regina, seus olhos fixos nos de Mariana.


— Sim, graças a você, — respondeu Mariana, um sorriso de gratidão iluminando seu rosto. — Você me ensinou que sempre podemos mudar o curso da nossa história.


As malas prontas, as irmãs se abraçaram em um último momento de despedida. Mariana então partiu, em direção ao futuro. Regina, observando-a se afastar, sentia uma saudade antecipada da presença física da irmã, mas também uma felicidade genuína por vê-la livre e pronta para escrever novos capítulos em um novo lugar.



Autora: Silvâni Silva


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